sábado, 22 de março de 2008

O Escritor e o Leitor




Era mais uma segunda daquelas em que ele saía de casa atrasado pra tomar o café na esquina. Ou pelo menos parecia ser.

E lá estava ele, com seu café e sua rotina.
Ali sempre passava um casal de velhinhos com um saquinho de milho nas mãos da senhora, iam até a praça onde ficavam abraçados dando milho aos pombos. Dois estudantes, um garoto e uma garota, passavam de mãos dadas rumo também à praça onde matavam aula. E quase na hora de ir para o trabalho um senhor passeava com o cachorro com toda elegância do mundo. Mas aquela manhã foi diferente.

Uma mulher de estatura mediana, cabelos vermelhos e longos, branca e usando um óculos com bordas azuis, passou em frente à padaria com toda serenidade do mundo, mas sem notar que dentro da padaria um rapaz a observava sem piscar os olhos, chegando até a entornar o café que bebia. Ela passou, e ele ainda a via. Depois disso não viu mais a senhora, não viu mais o casal de garotos e nem reparou que pisou em um objeto que o cão do senhor elegante deixou pelo caminho.

No trabalho não conseguia se concentrar. Só conseguia pensar naquilo que ele dizia ser, “a personificação do amor”. Tinha medo de que essa garota não fizesse parte da sua rotina constante. E quanto mais contava os segundos pra manhã do dia seguinte, mais longe parecia estar da manhã seguinte. “E se ela for comprometida?”, “e se ela não gostar de mim?”, “pior, e se ela for lésbica?”. Pensamentos assim sequer o deixaram dormir.

Finalmente, era manhã. E ele não se atrasou, pelo contrário, se adiantou até a padaria. Pediu o seu café como fazia todo dia, sentou-se no banco com a melhor vista pra rua. E lá veio o casal de velhinhos, o casal de garotos e o senhor elegante. Começou a se preocupar, e quando ia se virar para pagar o café, lá estava ela, a “personificação do amor”, e ele precisava saber seu nome, não conseguia se imaginar com ela na cama a chamando de “personificação do amor” ou “personificaçãozinha do morzinho”, era broxante.

Lá foi ele, todo atrapalhado, se aproximou tão rápido que ela ficou assustada. Não sabia o que dizer, não queria parecer mais um idiota que se aproximava dela pela beleza, porque sim, deviam haver muitos. Então resolveu começar pelo nome.

- Olá, qual o seu nome?

Ela lançou um olhar estranho pra ele, pensando se seria mais um idiota que se aproxima pela beleza, ou mais um desses caras que fazem cartões pra bancos.

- Roza, por quê?

Faz sentido que seja uma flor - ele pensou e conteve-se pra não dizer.

- Ah, você teve a ousadia de quebrar minha rotina passando por aqui, então eu precisava saber seu nome.

Roza se assustou mais ainda.

- E você acha mesmo que o mundo gira ao redor do seu umbigo assim? Falou em tom irônico.

- Não, você não entendeu bem. O mundo até que me fez um grande favor te colocando em minha rotina. Desde ontem que não penso em outra coisa que não seja te ver de novo. A gente acaba se conformando com uma rotina e quando avistamos coisas novas lembramos que o mundo é bem maior do que a vista do café na padaria.

Que cantada mais maluca. Bom, mas pelo menos foi original - ela pensou e quis ser simpática.

- Ah sim, e seu nome qual é?

- Eldis, prazer. - disse sorrindo.

-Prazer, Eldis. Agora já vou indo, preciso trabalhar - e virou-se.

- Ei, espere.

Ela se virou

- Diga.

- Pode me dar seu telefone?

Ela parou, pensou e disse num tom irônico mais uma vez:

- Claro.

Ele então pegou o celular e esperou ansioso que ela dissesse o numero.

Ela disse então o número e reparou que ele havia digitado “Roza” com s:

- Eldis, meu nome é com z – sorrindo.

- Com z? – assustado.

- Sim, acho que o cara do cartório era analfabeto. Mas acabou sendo legal, porque “rosa” com “s” tem aos montes já com “z” sou só eu.

- É verdade. O meu nome era pra ser Elvis e não Eldis, mas o cara do cartório havia bebido demais.

- Sério?

- Não. Mas eu gostaria que fosse.

Os dois riram até Roza interromper.

- Agora já vou indo, nos falamos quando você ligar. Até.

- Até.



E mais um dia de trabalho perdido. Além de ter chegado atrasado, estava ansioso demais pra se concentrar. Queria chegar logo em casa pra fazer a ligação. Chegou então em casa e foi direto ao telefone. Tocou, tocou, tocou e nada. No dia seguinte esperou na padaria se atrasando mais uma vez, e nada. E assim se manteve por semanas, agoniado, sem notícias, querendo vê-la.

De repente, se deu conta de que ela não daria o número para um estranho e desistiu. Ainda havia ali um fio de esperança, pelo seu lado sentimental, de vê-la, mas a razão o torturava dizendo que era o fim.

Então nunca mais ele...



Leitor:



Por favor, senhor escritor. Sei que meu papel aqui é de mero leitor. Mas devo interferir na trama e interceder por quem ama.

Dê a esse pobre rapaz o destino que quiser, mas prometa que no fim ele ficará com a mulher.




Escritor:



Me apaixonei pela arte de escrever exatamente por poder brincar de Deus. Quanto mais Deus me castiga, mais eu castigo meus personagens. Então deixe-me terminar do meu jeito essa história e recoloque-se no seu lugar.


Continuando:



Então nunca mais ele teve paz, depois que viu aquela Roza.

5 comentários:

Tai Ramos disse...

Poxa.
Tudo bem, não é sempre que a gente consegue quem se ama.

Sou amiga da May, passando aqui porque ela me recomendou o espaço!

http://unschuldgestalt.blogspot.com

;*

May disse...

Will, eu fiquei encantada com todos os seus textos; são maravilhosos! *-*
Não quer ser meu mestre?
*implora*
:D~

Amei todos, e espero lê-los sempre!


:**

Tamara Nogueira disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Tamara Nogueira disse...

hum...Assim espero,pois fiquei com um odio mortal de vossa senhoria!!!

tudo bem,pessoas civilizadas entendem os maus entendidos!!!

bezoo

Karina disse...

MUITO BOM.ADOREI